- Hoje podíamos ir dançar? - perguntou-lhe ela ao ouvido, baixinho, como se rodopiasse as palavras numa pirueta perfeita.
Do outro lado a reacção tardou a chegar. Pela sala o fumo do incenso aceso demorava-se pelo ar, bailava, trazia as vontades todas de voltar a te-la nos seus braços. Aquele corpo pequeno e delgado que cabia abraçado num só braço seu.
Olhou a parede, o tecto, o chão, o espelho da sala, as capas do sofá mal arrumadas, os tapetes a combinar com as cortinas, a lareira, o cacau já frio em cima da mesa de mogno, a janela meio aberta que deixava esvoaçar ligeiramente os seus cabelos, a grafonola que tocava agora uma música ambiente delicada, a porta imponente daquela habitação aberta como se não houvesse ninguém ali dentro.
Pegou-lhe na mão, e junto lhe segurou parte do vestido vermelho com um cinturão castanho-dourado que lhe realçava os olhos e o baton cuidadosamente colocado para fazer a pergunta inicial.
Segurou-lhe a cintura, passou de leve a mão pelas suas costas fazendo os dois corpos juntarem-se relativamente. Sentia a respiração mais forte agora. Sentia o seu perfume quente de flores de inverno, subiu-lhe a mão direita e num movimento rápido deitou-a no seu braço, deixando cair todo o seu corpo sobre aquele momento. Olhou-a nos olhos, naquela posição meio-deitada-meio-em-pé. A sua pele estava mais suave que ontem. A sua perna tinha subido e todo aquele corpo de mulher estava suportado pelo seu braço. Estava bela, delicada, elegante. Conseguiu vê-la de uma forma que não a olhava há muito tempo.
Aproximou-se do seu ouvido. O incenso, o fumo, o vento, o estalar do lume na lareira, o seu cabelo, o perfume daquele momento, a música... e disse baixinho:
- Fica para outra altura. Hoje não é um bom dia para ir dançar.
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