Apaguei o cigarro devagar. Olhei o fundo do cinzeiro sem pensar nos pós de cinza que o enchiam e onde poisavam os meus olhos mas flutuando pela tarde de ontem. Pela janela aberta entrava o vento da noite, o cheiro da rua. O cão a ladrar lá em baixo, para alguém moribundo que passava aquela hora. Estive este tempo todo infinito embrulhada na minha manta em frente a máquina de escrever a espera de uma ideia. Hoje não é dia de ideias. Ficaram em cada sacudidela de cigarro, fugiam em cada bafo mal puxado, em cada olhar preguiçoso para o fundo do cinzeiro.
Suponhamos agora que num segundo, entre o poisar do filtro e o afastar do cinzeiro, aquela ideia surgia. Aquela ideia que desde ontem esperava ter e não chegava. Desde ontem que dava voltas as palavras, interjeições e sem modo de começar um texto. Aqui na máquina de escrever que tenho ao lado só entram as ideias provenientes do poisar do cigarro, do poisar do pó, do poisar do tempo. Mas contando com o facto de ser só uma suposição não se pode concluir que a ideia tenha verdadeiramente chegado.
Apoderou-se de mim uma enorme melancolia. Peguei com força de vontade nas pernas e fi-las segurar o meu corpo mais pesado nesse dia com tudo o que tinha em cima dos ombros e todas as vontades de ideias que borbulhavam na minha cabeça. Aconcheguei a manta nos ombros, e segui para a cozinha velha, de paredes velhas, fazer um leite com chocolate quente.
Imaginei-me num daqueles filmes americanos românticos com a janela aberta e cortinas esvoaçantes, com chocolate quente e uma lareira acesa, uma carpete fofa branca onde me entrelaço, crio laços e raízes. Delírio.
(Traasch)
Lá se vai a chávena e o leite espalhado pelo chão. Nem sabia a cor do chão. Ando tão aluada ultimamente que nem vejo onde ponho os pés. Mosaicos verdes e brancos sujos de chocolate liquido e salpicos por todo o lado e a chávena partida no canto para onde acabou de rolar.
Vou a correr limpar o chão e fecho a janela que o frio incomoda.
Está tão ridículo. Vai saindo conforme calha. Conforme me vêm ideias. Conforme me lembro de palavras que juntas transmitem algo.
(tack takc tack tack)
A máquina de escrever segue em frente.
A ideia:
Linda, sensual deslocava-se pelas escadas, deslizava com o seu vestido comprido branco, sem enfeites, sem adornos. Só ela e a sua beleza natural. O cabelo ligeiramente desgrenhado.
- Ana? - Segredou uma voz ao fundo do corredor
Parei. Não fazia sentido nenhum... Ana? Ao fundo do corredor? Que coisa vulgar... e apaguei o texto todo. E tudo o que ficou para trás, todo o tempo que ficou perdido, ficou igual.
Suponhamos agora que num segundo, entre o poisar do filtro e o afastar do cinzeiro, aquela ideia surgia. Aquela ideia que desde ontem esperava ter e não chegava. Desde ontem que dava voltas as palavras, interjeições e sem modo de começar um texto. Aqui na máquina de escrever que tenho ao lado só entram as ideias provenientes do poisar do cigarro, do poisar do pó, do poisar do tempo. Mas contando com o facto de ser só uma suposição não se pode concluir que a ideia tenha verdadeiramente chegado.
Apoderou-se de mim uma enorme melancolia. Peguei com força de vontade nas pernas e fi-las segurar o meu corpo mais pesado nesse dia com tudo o que tinha em cima dos ombros e todas as vontades de ideias que borbulhavam na minha cabeça. Aconcheguei a manta nos ombros, e segui para a cozinha velha, de paredes velhas, fazer um leite com chocolate quente.
Imaginei-me num daqueles filmes americanos românticos com a janela aberta e cortinas esvoaçantes, com chocolate quente e uma lareira acesa, uma carpete fofa branca onde me entrelaço, crio laços e raízes. Delírio.
(Traasch)
Lá se vai a chávena e o leite espalhado pelo chão. Nem sabia a cor do chão. Ando tão aluada ultimamente que nem vejo onde ponho os pés. Mosaicos verdes e brancos sujos de chocolate liquido e salpicos por todo o lado e a chávena partida no canto para onde acabou de rolar.
Vou a correr limpar o chão e fecho a janela que o frio incomoda.
Está tão ridículo. Vai saindo conforme calha. Conforme me vêm ideias. Conforme me lembro de palavras que juntas transmitem algo.
(tack takc tack tack)
A máquina de escrever segue em frente.
A ideia:
Linda, sensual deslocava-se pelas escadas, deslizava com o seu vestido comprido branco, sem enfeites, sem adornos. Só ela e a sua beleza natural. O cabelo ligeiramente desgrenhado.
- Ana? - Segredou uma voz ao fundo do corredor
Parei. Não fazia sentido nenhum... Ana? Ao fundo do corredor? Que coisa vulgar... e apaguei o texto todo. E tudo o que ficou para trás, todo o tempo que ficou perdido, ficou igual.
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